As práticas de arquivo e de memorial são essenciais em contextos onde a abordagem a erros históricos ou a demanda por reparações estão em causa. O arquivo serve como repositório do que é necessário reunir e reconhecer para que possa ser deixado para trás e inaugurar o futuro. O arquivo manifesta, por um lado, a autoridade da lei bem como a sua consciência perturbada e, por outro, a resistência que lhe é feita. Se é verdade que não pode haver vítimas sem reconhecimento, nem perpetradores sem responsabilidade, e que não há justiça sem reparação, o arquivo é uma parte indispensável da resposta à violência biopolítica do capitaloceno.
Porém, especialmente nos casos em que a memória coletiva foi usurpada ou invisibilizada, além de foz da história, o arquivo é também fonte de possibilidades para o futuro. Nestes casos, a (re)construção de um arquivo torna-se imperiosa como forma de fortalecer o sentido de pertença, a autoestima e a esperança.
Curadoria de Kitty Furtado
Ana Cristina Pereira (Kitty Furtado) é crítica cultural empenhada na diluição de fronteiras entre academia e esfera pública. Tem curado mostras de cinema (pós)colonial e promovido a discussão pública em torno da Memória, do Racismo e das Reparações, sendo criadora da Oficina de Reparações (mala voadora, Porto, 2023). É investigadora do CECS (Universidade do Minho), onde desenvolve o projeto individual Black Gaze e é professora convidada da FBAUP (Universidade do Porto). Fez parte da equipa curatorial da representação de Portugal na Bienal de Veneza 2024, no âmbito da qual foi curadora do programa Biomes. É membro ativo do GT de Cultura Visual da SOPCOM de que foi coordenadora entre 2019 e 2024 sendo, nessa qualidade, subdiretora da VISTA: revista de Cultura Visual. Entre outros textos e edições de números especiais publicou, com Rosa Cabecinhas, o livro “Abrir os gomos do tempo: conversas sobre cinema em Moçambique” (2022).